terça-feira, 18 de agosto de 2020

Resenha 'Porém Bruxa' de Carol Chiovatto

 

Capa Porém Bruxa


Antes de falar sobre esse livro eu preciso esclarecer algumas coisas:

  1. Eu não costumo ler livros com bruxas ou bruxos, li meio Harry Potter obrigada, mas conheço as histórias dos 5 primeiros filmes.
  2. Estou há pouco tempo lendo fantasias urbanas e já acho a melhor coisa.
  3. Não havia ainda lido nada de Carol Chiovatto.
Com as devidas explicações dadas, devo dizer que fiquei positivamente surpresa com a história de Ísis Rossetti, uma bruxa que tem como função monitorar o uso de magia na cidade de São Paulo e logo de cara, Ísis precisa verificar algo anormal acontecendo na linha amarela do metrô e pode parecer uma coisa boba, mas todas as referências de lugares reais da cidade me fizeram ainda mais próxima da trama.

Por cerca de 2 anos eu transitei diariamente na linha amarela (na época de inauguração da estação Pinheiros) e por mais 6, alguns anos antes, minha rota diária passava pela região do Butantã, mais um local onde boa parte da história se desenrola. Sem contar com a região central de cidade, que é uma constante na minha vida desde sempre, ter esse olhar que vai além do que os olhos vêem, nos mostrado pela percepção sensível de Ísis, torna a experiência de ler "Porém Bruxa" ainda mais rica e interessante.

Toda trama fantástica tem suas regras e características únicas que precisam ser explicadas conforme a história avança, e aqui temos mais um ponto positivo para a exposição de Chiovatto, pois as explicações vem no momento certo, sem exageros mirabolantes e ainda dando uma cutucada na história do bruxo famoso com "Bruxas não usam arremedo de latim nos seus encantos." E o que elas usam? Leiam para descobrir :)

 A mitologia do universo mágico de Ísis, com Corregedor, Conselho de Bruxos e uma Cidade dos Nobres, vai além englobando religiões e crenças tão presentes em nossa cultura, mas ainda vistas de forma preconceituosa e distorcida como o candomblé – que tem papel importante na jornada de Ísis – cujo conceitos coexistem e agregam importantes elementos nesse mundo não-material, quase que totalmente invisível para os "comuns", ou como os bruxos chamam as demais seres-humanos, gente como a gente.

A narrativa é feita em primeira pessoa pelo ponto de vista da personagem principal, que além de seriamente dedicada ao seu trabalho, empática e que realmente se importa com os mais vulneráveis, tem uma personalidade complexa que vai do cômico ao melancólico, conforme seu desenvolvimento na história assim revela. Não tem como não amar os momentos inusitados de Ísis querendo mandar alguém "enfiar o paternalismo no c*" ou simplesmente dizendo que um personagem não esperava sua interferência "porque era burro" (e realmente era).

Além de uma protagonista carismática e realista, "Porém Bruxa" conta com personagens bem diversos em vários sentidos, seja por sua etnia, crença, orientação sexual, identidade de gênero, situação social e econômica. Destaque para as personagens Dulce Maria, Fernanda e Helena, que além de amigas, fazem parte de uma rede de apoio de Ísis e colaboram o tempo todo na resolução dos 3 casos que a bruxa precisa resolver ao longo da trama. Aliás, em dado momento da história fica um pouco complicado acompanhar o desenrolar dessas 3 tramas, mas isso acaba sendo resolvido por motivos de spoiler (e eu obviamente não vou relatar aqui).

Essa mistura de personagens bem construídos, que em meio à magia fictícia em uma cidade real, representa bem a diversidade e particularidades de uma São Paulo e suas várias faces, onde o amor e a indiferença convivem lado a lado.

Onde encontrar:
Disponível em versão física e-Book na Amazon (no momento fazendo parte do Kindle Unlimited, ou seja, acesso grátis para assinantes.)

OBS: Leitura feita por meio do e-Book.

sábado, 15 de agosto de 2020

Vergonha Alheia

—  Sua primeira vez viajando?

—  Tá tão óbvio assim o meu nervosismo?

—  Não, é que… só estava querendo puxar conversa.


Breve silêncio constrangedor


—  Não é minha primeira viagem, mas eu nunca tinha ido pra tão longe assim.

—  Ahhh. Não se preocupe, a Terra é vasta e rica em detalhes primitivos. Claro, eles são um tanto atrasados em várias frentes, na verdade bastante atrasados, mas isso acaba tornando a experiência ainda mais interessante.

—  Eu não vim de um lugar tão avançado assim, então acho que não vou estranhar tanto.

—  E da onde você veio?

—  Do planeta Biralinandia, no sistema de Topos.

—  Acho que não conheço… é que eu sou de-

—  Zion?

—  Sim! Como você adivinhou? Zion, planeta Alpha.

—  Porque vocês estão no sistema mais avançado da Galáxia.

—  Sim. Mas…?

—  Vocês costumam esquecer que existem outros sistemas além do seu.


Silêncio constrangedor mediano


—  Você sabia que na Terra eles chamam nossa galáxia de Via Láctea? Quando viram pela primeira vez as estrelas eles acharam parecidas com uma substância líquida esbranquiçada que saem das glândulas de animais mamíferos, que serve para alimentar seus filhotes, mas os humanos terráqueos bebem essa substância ainda adultos e-

—  Nós também bebemos isso em Biralinandia. Em todas as fases da vida.

—  Ah… interessante.


Curto momento de silêncio


—  Há quanto tempo vocês atingiram a Era Universal Moderna em Bira...landia?

—  Biralinandia.

—  Isso.

—  Há exatos 20 anos.

—  Uau! Então viagens no espaço e contato com outros planetas deve ser algo bem recente para vocês, não é? Porque em Alpha a Era foi atingida-

—  No ano 2501 p.f.a. ou 10.780 g.h.

—  Estou impressionado! Você tem estudado bastante para alguém que só chegou a EUM há apenas 20 anos g.h.

—  Deve ser porque nunca tivemos um Falso Apocalipse em 9.280.

—  Ninguém achou que o mundo iria acabar em nenhum momento em Biralindia?

—  Biralinandia. Não, a gente nunca pensou que o planeta iria explodir espontaneamente,  ou ser alagado, atacado por fogo vindo do céu, ou sucumbido com terremotos ou um vírus fatal que tornaria as pessoas em zumbis comedores de cérebro. Essas coisas nunca fizeram sentido pra gente.


Longo


Silêncio


Constrangedor


— Estimados passageiros, acabamos de atingir o Sistema Solar. O tempo previsto de nossa viagem até o planeta Terra é de 5 horas e 45 minutos, dia 237 de 12.020 da Galáxia Humanus, data local do destino.

— Segundo nossas estimativas a Terra deve entrar no EUM nos próximos 5 ou 15 anos, tudo vai depender dos esforços que faremos por lá e da boa vontade deles também.

— Você está indo a Terra para trabalhar no avanço deles? Mas eu nunca vi isso...

—  Sim. Foram graças às missões do Sistema Fandangos que Biralinandia e os demais planetas do Topos avançaram tão rápido. Nada mais sensato do que fazer o mesmo pelo planeta mais atrasado do Sistema Solar. Marte e Júpiter ainda resistem enquanto estão tranquilos na dimensão Y, assim como Alpha e Beta se comportaram desde de 10.780 g.h. até… —   longo suspiro —  hoje, com o resto do Sistema Zion e demais planetas da nossa Galáxia Humanus.


Apenas silêncio


—  Se importa em me dizer o que você vai fazer na Terra?

—  Férias.


Cinco horas e 45 minutos depois


—  Estimados passageiros, sejam bem-vindos ao Planeta Terra. Lembramos a todos que esse é um planeta fora da Era Universal Moderna, por isso o traje Homo Sapiens é de uso obrigatório, assim como o kit de comunicação que vocês irão receber após o desembarque. Data local: dia 21 de junho de 2020 d.c. Tenham um ótima estada!


—  Espero que aproveite suas férias nesse planeta, Alpha — acena.

—  Agradeço, Biralinandia — com um olhar de quem passou as últimas 5 horas revendo toda a sua existência.

—  Ah, sabia que iria acertar em algum momento!

—  Sucesso na sua missão.

—   Obrigada.


Já próximo da saída


—  Será que eu poderia te acompanhar por alguns dias na sua missão? Talvez eu possa ajudar de alguma forma, não vou estar fazendo nada extraordinário mesmo.

—  Sim, claro! Sua experiência em Zion será muito rica para nós, mas temos uma condição.

—  Que condição?

—  Zero reclamações sobre piadas do Falso Apocalipse. Temos um acordo?

Um breve e vergonhoso aceno com a cabeça.


terça-feira, 11 de agosto de 2020

A Propaganda Humanista de Fachada

OBS: Texto original do final de 2019

Essa semana o comercial de um banco, desses bem grandes mesmo, coloca o ser humano num patamar de admiração por sua capacidade de criar, amar e fazer outras coisas boas que só seres humanos podem fazer num mundo tão dominado por inteligência artificial. A propaganda é bonitinha, tocante e muito bem feita. Mas ela também é vazia e ilusória.

Uma das coisas boas de 2019 (e essas são bem poucas mesmo) é o movimento crescente de inclusão e diversidade em peças publicitárias. Vemos mais pessoas negras, LGBTs, PCDs e de outras minorias ganhando espaço e até mesmo posição de protagonista nesse mercado de divulgar seu produto ou sua marca. Esse movimento é resultado de vários fatores, principalmente da luta desses grupos e do posicionamento de parte da sociedade em criticar e cobrar mudanças numa estrutura infiltrada de preconceitos. Mas o que isso tem a ver com o comercial do banco? Já chego lá.

O que está sendo notado com esse movimento, é que abrir o leque de inclusão tem um retorno positivo para imagem da empresa e consecutivamente para seus lucros. Não há nada de errado nisso, mas o problema é que a questão de inclusão, e de uma forma geral olhar para as pessoas com mais cuidado e atenção, fica muitas vezes apenas na teoria, na imagem pública que a empresa espera projetar sobre o mercado, mostrando uma vitrine linda e comovente diante da máquina que só se importa com números, estatísticas e lucro.

O objetivo não é em de fato ser essa empresa inclusiva e preocupada com a individualidade da pessoa, mas em se esforçar o máximo possível para que assim ela pareça ser.

A realidade do que essas empresas oferecem está nos minutos (ou mesmo horas) intermináveis que passamos esperando em filas reais e virtuais, no atendimento de funcionários pressionados para bater metas a qualquer custo, ou naqueles que passaram por um treinamento raso ou que simplesmente tem salários e benefícios tão ruins, que não compensam todo o esforço exigido.

É muito tocante ver as coisas bacanas e bonitinhas nas peças publicitárias, mas essa sensação positiva só dura até o momento que realidade daquela marca esbarra na gente rachando aquela vidro frágil.

O meu lado otimista acredita que essa preocupação, mesmo de fachada, possa ser um primeiro passo para uma preocupação real que se espalhe pelas entranhas do corporativismo de forma cada vez mais progressista. O meu lado pessimista acha que empresas ainda vão levar muito tempo para descobrirem que fazer um trabalho competente e ainda ter preocupação social, seria um bom negócio para todo mundo.